segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A história da foto

Quinta-feira, 04 de setembro de 2008. Lua Nova. Noite.

Havia uma grande expectativa no dia. A cozinheira do Zé Celso e amante de santo Marilda, iria ao Teatro Oficina ajudar a atriz Célia Nascimento e todo elenco a abrir seus chacras e baixar a Pomba Gira - entidade sexual no candomblé, que abre a peça em sua primeira cena. Quando ela chegou, eu me encontrava na cabine técnica ligando cabos, computadores, monitores, rádios - toda aquela matéria que parece transmitir energia.
Não me importei com sua presença. Continuei ali, concentrado no rito inicial de mais um dia de ensaio da peça "Os Bandidos".
Aos poucos, o batuque do percussionista Ito, e do baterista Gui Calzavara me convenceram a descer até a pista. Lá chegando, demorei um pouco a entender o que acontecia, pois nunca havia participado de um ritual como aquele.
Marilda dançava de uma forma agressiva e muito intensa, com uma sensualidade cativante, puxando e inspirando Célia a acompanhá-la no ritmo, na postura, na entidade.
Alguns do elenco, como Lucas Weglinki e Camila Mota já dançavam com ardor, mas a maioria se mostrava tímida, inclusive eu.
Depois de um certo tempo, me percebi requebrando, dançando e sentindo esta energia que ecoava por todo o espaço. Canalizei minha energia para uma garota que ali estava. Abriu-se uma roda e Marilda chamava um a um para dançar com ela, e encostava sua mão em algumas partes do corpo desta pessoa, fazendo com que ela relaxasse por alguns milésimos de segundos.
O Zé Celso se mostrava atento, concentrado na dança e naqueles que estavam na roda. Ás vezes ele interrompia uma dança e apontava para aquele que deveria dançar com a Pomba-Gira. Fez isso com atriz Ana Gui, por exemplo, que não participava da roda e desceu até o grupo por que o Zé gritava seu nome, procurando-a.
Assim que esgotaram-se as possibilidades de danças, Marilda trouxe com Marcelo Drummond uma champagne. Abriram, beberam e evocaram santos e deuses. O Zé tomou a palavra "Que o Teatro Oficina se abra para os próximos cinquenta anos!"
Descansamos um pouco até uma nova entidade baixar no terreiro: Erê-Cambalhota de Cosme e Damião, ou de Kosmos, Damian e Doum, se preferir.
Houve uma certa dificuldade inicial para conseguir transmutar de uma energia sexual, feminina, quente, agressiva, para algo muito oposto que é a energia da criança, da sinceridade, da brincadeira.
Demorou-se mais para baixar o Erê que para baixar a Pomba-gira, mas quando baixou, saímos todos correndo pelo teatro, brincando de pega-pega, esconde-esconde, e comendo balas que o Rodrigo Andreolli jogava para nós.
Neste momento lembrei-me de um sonho que tivera muito antes de começar a trabalhar no Oficina. Sonhara que o teatro era um grande circo, onde o Zé de Paiva era um acrobata, o Zé Celso o domador de leões, havia mágicos e mulheres barbudas, também. E eu pulava de ferro em ferro como se fosse o tarzan na floresta, até acordar assustado.
Senti minha mitologia viva.
Voltamos à grande roda, e sentados de quatro criávamos uma comunicação com o Erê, que não entendia os termos sexuais a que queríamos apresentá-la.
Por todas aquelas sensações sentidas tão intensamente, olhando a bigorna dourada e a árvore Cezalpina, eu buscava uma palavra que pudesse definir esse tipo de teatro. Ao meu lado, a atriz Sylvia Prado, susurrou: este teatro é demais, não é?
Apenas sorri.
A Marilda, então, despediu-se de cada um de nós com um abraço carinhoso. E saiu do teatro com uma salva de palmas.
Fiquei imobilizado, me recolocando no tempo e espaço, até lembrar-me da minha próxima tarefa: auxiliar na filmagem e fotografia d'Os Bandidos.

A Cassandra Mello vigiava a câmera de cinema emprestada de um amigo. Ricardo Morañez começou a afinar alguns refletores que fariam o contra-luz. A diretora de vídeo, Elaine César, pedia ao sonoplasta Gava para colocar uma música pesada na ação.
Alguns atores desciam preocupados com o figurino. 'Esqueci meu chapéu, você não pode emprestar o seu?' Perguntou-me Gui Calzavara. Corri para pegá-lo. Outros começavam a ensaiar caras e bocas. E em alguns minutos estavam todos a postos.
Mariano Mattos e eu orientávamos o elenco sobre a melhor posição para enquadrar-se no vídeo.
- A mala tem que estar na mão direita. A guitarra e o baixo podem desenhar um V. O crucifixo tem que estar acima de sua cabeça...
Elaine pedia mais 10% de um bafo de luz, enquanto observava o plano no visor da câmera. Câmera ok. Som. Ação!
No primeiro plano, os bandidos desceram desajeitados e nervosos. Repetimos. Mudamos um pouco o enquadramento, a luz, a ação do elenco.
No segundo plano já se viu algo mais organizado, mas a luz ainda não estava adequada.
No terceiro plano, Marcelo Drummond já reclavama com a Elaine: 'Você falou só dois planos. Acabou a gravação!'
'Só mais um, só mais um.' Respondia ela.
Esse diálogo se repetiu durante a filmagem dos 09 planos seguintes!
O Zé Celso, sentado na cadeira de Renée Gumiel, observava tudo sem dar um comando. 'Tá lindo! Tá lindo!' dizia.
No último take, os bandidos desceram com as armas abaixadas, até chegarem às suas marcas e levantarem na ação da diretora.

Corta! Gritou ela.

Tínhamos o plano.

Da esquerda para a direita:

Célia Josephina com a mala. Agebo Brranca. Guilherme Spilberg sem chapéu. O baixo do Marcão Shakespeare. Ariclenes Ratocogata. Gabriel ChêCyber e câmera. Marcelo Damião liderando. Marcio Gira. Escondida atrás dele, Juliane Elting. Lucas Nóinha. A guitarra de Zé Pi. Camila Diadorim. Antero Pastor e seu crucifixo. Adriana Viegas e Naomy Scholling.

Nenhum comentário:

 
visitas