terça-feira, 7 de outubro de 2008

ARDOR

Schiller morreu em 9 de maio de 1805.
Autópsia:
O pulmão estava gangrenos, pastoso e completamente desmanchado;
O coração carecia de substância muscular;
A vesícula biliar e o baço eram desmesuradamente grandes;
Os rins estavam dissolvidos em seu tecido específico e se apresentavam completamente entupidos;
O médico de cabeceira do Duque de Weimar, analisando o resultado da autópsia disse ser admirável que um pobre homem pudesse seguir vivendo nessas circunstâncias.
Schiller afirmou que o espírito constrói o corpo.
Seu entusiasmo criador o manteve com vida além do limite de degeneração do corpo.
Só por seu espírito infinito pode se explicar porque pôde viver tanto tempo.
Com o resultado da autopsia podemos formular uma primeira definição do idealismo de Schiller: o idealismo atua quando alguém,
animado pela força do entusiasmo,
segue vivendo, apesar do corpo não permitir.

O idealismo é o triunfo de uma vontade iluminada e clara.
Pra Schiller a vontade era o órgão da liberdade.

Na sua função de poeta,
ele gostava de situar-se numa altiplanura,
onde o poder da palavra
responde em igualdade de condições
à palavra do poder.


Esse é um trecho da biografia de Schiller, feita por Rüdiger Safranski.
O livro se chama: Schiller, ou a invenção do idealismo alemão.

Fazendo essa peça, nosso desafio é fazer pulsar o amor
o ardor
por todos os minutos das 5 horas de peça.

Deixar o entusiasmo criador
manter a chama da vida acesa
e superar todas as dificuldades que o corpo enfrenta.

Fazer ardor produzir calor.
Calor produzir ardor!

Tivemos 3 espetáculos quentes em Porto Alegre,
com o público atento,
reagindo
e disposto a dar sua emoção naquela hora,
naquele lugar, sem pensar só com a cabeça.
Era muito estimulante a contracenação, com as respostas imediatas.
Alguma coisa nós, atores e público ali presente, sacamos:
o idealismo de Schiller,
o ardor,
a opção pela poesia,
e o desvendamento dessa força criadora,
era pra ser partilhado por todos, e isso criou uma atitude não passiva da platéia.

Infelizmente nós vivemos sob o império decadente do terror,
não vivemos sob as inquietações corpóreas do espírito do ardor.
Da bandeira brasileira foi cortado o amor.
E pra revelar Schiller é preciso ser mais que ator.

Então essa experiência de fazer essa peça,
de ligar as raízes e atenas
pra sermos guiados pela tempestade do ardor irresistível,
e contagiarmos esse estado de atuação,
não faz sentido se vira uma obra pra ser vista passivamente.

Está difícil aqui em São Paulo.
Ainda não conseguimos contagiar,
e o público ainda não teve a sede grande de nos contagiar também.

Vamos tocar nesse tabú.

Nós precisamos abrir e contracenar mais com o público, sim,
e não só os atores,
mas a luz também pode colocar mais a platéia em cena,
a sonoplastia pode baixar o volume, pra que o público se escute…
Mas o público paulista também pode colaborar um pouco mais.
E não estou falando de indivíduos,
que podem ter gostado,
se emocionado com a peça,
e podem agora estar se ofendendo com o que estou escrevendo…
Estou chamando trans-públicos
que podem surgir dispostos a revelar o que estão sentindo naquele momento,
nos contagiar com essas sensações
e contagiar os outros do público também.

É como uma festa.
Tem o anfitrião,
ou vários,
que vão arrumar a casa,
oferecer comidas,
bebidas – até cobrar por elas se for o caso,
escolher a música,
ou deixar os instrumentos à disposição dos inspirados…
Mas se os convidados não forem com a disposição de fazer a festa acontecer,
de fazer baixar as entidades e liberar o terreiro pra catarse,
a festa vai ser muito chata.

Ou, de novo, como futebol.
A torcida faz diferença.
Viver cada lance do gramado junto,
liberar o coração pra se emocionar com gols,
ou com as bolas na trave,
ou ligar um jogador desligado, mesmo com vaias,
mas deixar fervendo aqueles 90 minutos.

Por que o público das nossas apresentações aqui
ainda não nos chamaram ardorosamente na chincha?

Agora estamos sendo explícitos: no começo da peça pedimos pra todo mundo reagir.

Reagir! Estar vivo!

Não precisa pensar tanto,
catarse vem de choques galvânicos,
de contágios
onde não interessa na maior parte das vezes
nossa opinião sobre o acontecimento.

Tem muitas cenas nos Bandidos que nós puxamos aplausos.
Mas esses aplausos fazem parte da dramaturgia.
Não estamos naquele momento pedindo a aprovação da cena com palmas.

Quando o patriarca levanta da cadeira de rodas,
os aplausos não são pra cena bem feita dos atores naquele momento,
são pro milagre de sair andando,
quem estava imobilizado.
Isso se chama imaginação.
O mesmo trabalho que nós atores temos que realizar,
de imaginar as coisas,
de projetar em nós e nos outros as situações,
estamos pedindo pra platéia fazer.

Tem uma cena em o Bandido Gira está na praça da Sé,
cercado pela polícia, com um Capitão Pastor de refém.
Nesse momento hate groups estão na praça,
pedindo a crucificação do bandido.
Eles repetem e pedem pro público repetir: lugar de bandido é na cruz!!!!
É claro que isso é uma coisa muito barra pesada de se dizer em locais públicos,
como um teatro.
Eu não concordo com essa frase,
e acho que os atores que fazem os Hate Groups também não…
Mas é importante pra cena
(a do teatro e a que acontece de verdade!!!)
que o público se coloque no lugar dos Hate Groups,
que grite junto,
que repita essa insanidade
até descobrir que é uma insanidade,
ou descobrir o que a viagem de cada um possibilitar
e até criar outra frase que antagonize com essa!!?

Mas a descoberta pode ser muito mais ardorosa se for feita catárticamente…
A história é super barra pesada,
o drama dos protagonistas
e todo o resto.
Mas com catarse a gente faz a travessia da peça
e sai com ardor,
amor,
humor
pra encarar o dólar que passou dos dois reais,
a bolsa que chegou até -15%…

Pra assinar o abaixo-assinado pró ANHANGABAÚ DA FELICIDADE,
que está num post abaixo,
e poder sair andando depois das 6 horas de Schiller,
ou de um show de música,
ou de Shakespeare,
Nelson Rodrigues,
Teatro da Vertigem,
pelo Bixiga desguetado, sem medo d ser assaltado…

Tudo isso que foi escrito é um convite:
não nos deixem sozinhos.
A peça vai ser quente
se todo mundo esquentar,
não só a gente.
Agora vou assinar ali embaixo.

ARDOR!!!

9 comentários:

Anônimo disse...

ARDORAMOROURO

Anônimo disse...

o público tem que sacar
a beleza de se expor
de forma ativa
subjetiva
emotiva
com a pele e olhos e ouvidos abertos
para a violência e doçura do ardor irresistível

ariadnebrazilha disse...

amei!!!!!
queria esse texto publicado na porta, projetado na agora , ate a lampada acabar!

Anônimo disse...

onde estão os heróis sem nenhum caráter dessa cidade?

franklin albuquerque disse...

BOTA PRA FUDÊÊÊÊÊ CAMILA
TEM QUE ACORDAR ESSE PUBLICO !!!!!!

Anônimo disse...

Franklin, traz pra cá um ônibus de baianos incorporantes!!!

franklin albuquerque disse...

só um camila ?????????

Anônimo disse...

caMila da vida...!
voçê chega muito fundo em mim... ardo com suas palavras,mexem o que bate por dentro, acordam um amor de sempre...
...amo o teatro
... amo voçê e sua alma
...amo essa belavista onde achei minha vida ...
é muito doido...faz um tempao que nao estou lá, mas estou tremendo, tremendo como uma pequena de vontade de estar lá, de sentir nao transoceanicamente e sim transtornadamente, transformadoramente o ardor, a vida que cresce (e lá é primavera!!)que fazem crescer...
palavras...guardo tantas que nao consigo falar...
Camila...amor...fólego...tesao...
VIda Vida Vida...estou voltando

Anônimo disse...

maravilhosa :)

 
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