segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tudo lá !

Quem quer afirmar que “Os Bandidos” não seja “Die Räuber“ de Schiller?

Uma exclamação do país de Schiller

Era uma vez um prefeito em Hamburgo, a cidade mais linda e cosmopolita da Alemanha.
Certa noite ele foi para um dos dois grandes e famosos teatros da cidade para ver a primeira estréia de um novo elenco e de um novo diretor.
Esse teatro também acabava de receber um novo diretor geral, que trouxe certas inovações cênicas para o palco. Uma das peças mais famosas e mais encenadas da literatura clássica alemã de teatro estava sendo apresentada, e quando o prefeito - cuja opinião sobre teatro importa bastante, porque esse teatro, como quase todos na Alemanha, é municipal e subvencionado por dinheiro público - saindo do teatro depois da estréia, respondeu aos jornalistas, disse que não tinha gostado da encenação. Mais precisamente, ele, o prefeito, queria “reconhecer os seus clássicos no palco”. Para ele, aquele clássico estava irreconhecível nessa encenação.
Essa história tem apenas 25 anos. A expressão “reconhecimento dos clássicos” entretanto, já se transformou por sua vez num clássico: é a objeção notória de todos aqueles que vão para o teatro com uma idéia fixa, mesmo que ignorante, de como a peça, “o clássico”, deve ser encenada; especialmente uma peça que pertença às bases da literatura e ao tesouro do teatro.
Para os que acreditam na idéia do “texto clássico de teatro imutável” é totalmente irrelevante se o autor escreveu aquele texto, tantos anos atrás, pra ser digerido naquele tempo. Para focar seu próprio tempo o autor usa elementos e linguagens da sua realidade, da sua época; ou utiliza recursos históricos, literários, musicais de outros tempos, de outros estilos.
Em princípio não interessa às pessoas, como o “prefeito clássico de Hamburgo”, a maneira como um dramaturgo, como Friedrich Schiller, queria se comportar em 1782, por exemplo - em meio aos ecos provocados pela literatura alemã na liberdade do Sturm und Drang -, em relação às condições de vida das pessoas que assistiram a encenação da sua peça no palco.
Mas justamente por isso tudo se discute também no próprio País-de-Schiller sobre ele e Die Räuber, prolongadamente e com especial prazer.
Aqui onde estou, em casa, entre Hamburgo, Munique, Frankfurt e Berlim, vi nas últimas três décadas bastante encenação dos Räuber – mas não lembro de nenhuma, nenhuma mesmo que não tenha se desenvolvido, em qualquer aspecto, de uma simples representação para uma interpretação.
Interpretação no sentido de não seguir necessariamente o texto literalmente, mas muito mais o pensamento; explicar em primeiro lugar o texto dentro da sua história, do seu contexto histórico; em segundo lugar, transferir ele de lá para o contexto político-cultural que tem a ver com o aqui e agora, com o “hoje”.
Esta forma de interpretar, de lidar com quase todos os textos de teatro da literatura clássica na Alemanha, é certa e importante. No caso de Die Räuber é indispensável. Isso Zé Celso entendeu imediatamente. E agiu conforme.
Com prazer se lembra o absurdo excesso que se seguiu à estréia no Teatro Nacional de Mannheim, no dia 13 de janeiro de 1782: tumultos espocaram em dimensões nunca sonhadas e pessoas desconhecidas se abraçavam gritando e chorando. Bem, evidentemente, os motivos e os materiais da peça estavam ligados intimamente ao seu tempo – embora as florestas boêmias dos bandidos do Schiller não descrevessem a real atualidade da época, haviam existido mais ou menos cem anos antes. Mas a atualidade gritava para o público em cada palavra, em cada linha.
Eu já tinha visto Os Bandidos, de Zé Celso, em 2007, no Festival Schillertage, em Mannheim, no mesmo teatro da estréia de 1782 e alguns ensaios este ano. Sempre admirei como o diretor, e co-autor, Zé Celso, abertamente seguiu a dramaturgia de Schiller – foi dirigido por ele.
Se imaginarmos a história dos bandidos de Schiller como um pedaço de tecido que qualquer diretor pode colocar no espaço do teatro, de várias formas e jeitos, Zé Celso simplesmente tingiu o tecido novamente e pendeu-o com cordas paulistanas, naturalmente brasileiras, no Teat(r)o Oficina – mas o ponto da tecelagem é Schiller, nada mais, nada menos! Tudo lá!
O que é mais natural no mundo de teatro Zé Celso viu no texto do Schiller um material, um húmus e um acervo, de onde pode-se contar uma história, que deve interessar a cada um na Rua Jaceguay e em volta dela: a história da luta da arte com o poder. Quer dizer: contra ele!
Nesse sentido ele também “abrasileirou“ o bando de Schiller, e até alguns papéis, que em encenações alemãs são cortados com prazer, ou pelo menos fortemente reduzidos. Por exemplo, o velho mordomo na casa dos Moor, nome da família no original de Schiller, que nunca vi tão detalhado como aqui com Vera Barreto Leite; ou o mini-papel do padre, que na transferência para Anna Guilhermina é uma sensação pura.
Aliás, houve poucas encenações alemãs que prestaram tanta atenção na figura da Amália, que virou Ariadne, e onde a única personagem feminina da peça original, irradiou tanta energia, como está conseguindo aqui com Sylvia Prado. Uma coisa dessas nunca vi na Alemanha. Já em Mannheim, Aury Porto e Marcelo Drummond eram encarnações de ícones alemães sinistros e inquietantes, com uma roupagem brasileira. Agora são guerrilheiros inconfundíveis do presente deles, quer dizer, do vosso presente em São Paulo – como são todos os bandidos do bando da Uzyna Uzona.
Enfim, quem quer de todo jeito reconhecer nos Bandidos brasileiros, os Räuber de Schiller, traduzidos palavra por palavra e frase por frase, já se desnortearia na Alemanha, 25 anos atrás. E muito mais ainda Aqui Agora Hoje, conosco, convosco.

De Michael Laages

O autor vive e trabalha nas cidades Alemãs de Hamburgo, Hannover e Berlim, e às vezes também em São Paulo, como jornalista de teatro e música.

Tradução: Juliane Elting, Camila Mota
Revisão: Günther Giese

2 comentários:

Anônimo disse...

Cara mesmo não concordando com tudo...Sou apaixonado pelo Zé Celso e este grupo e sempre trabalho com um de seus discipulos aqui em São José dos Campos o infame Harley Campos ...beijos incendiarios Joca Faria

www.mundogaia.com.br

Anônimo disse...

Nós somos a insanidade feita em teatro viva esta uzina uzona....

Joca Faria

 
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